O Brasil acompanha com atenção o julgamento do goleiro Bruno e de alguns de seus amigos e prováveis comparsas, em Minas Gerais. Todos são acusados do assassinato de Eliza Samudio, de 25 anos, ex-namorada de Bruno. Ele conheceu a moça no começo de 2008, e da relação entre ambos nasceu um menino que o goleiro se recusava a reconhecer como filho, embora fosse dele. Surgiram desavenças entre o casal e Eliza procurou a Delegacia da Mulher para pedir proteção. Segundo ela, Bruno não queria o filho e proferia ameaças. Eliza chegou a ser sequestrada e mantida em cárcere privado durante um dia, quando obrigaram-na a tomar substâncias abortivas. Mesmo assim, a gravidez prosseguiu e a criança nasceu. A Delegada da Mulher de Jacarepaguá determinou que Bruno se afastasse da moça, mas a juíza da Vara de Violência Doméstica do Rio de Janeiro negou-lhe proteção sob o fundamento de inexistência de relação familiar. Assim, a Lei Maria da Penha não foi aplicada. Indignada, Eliza gravou um vídeo, posteriormente exibido em rede de televisão, declarando que estava sem proteção da Justiça e se algo lhe acontecesse o responsável seria Bruno. Eliza entrou com ação judicial de reconhecimento de paternidade e, algum tempo depois, desapareceu. Iniciadas as investigações, logo surgiram indícios de que a moça fora sequestrada, torturada , assassinada e esquartejada. Testemunha presencial, um primo de Bruno de 17 anos que teria participado da execução dos crimes, prestou declarações segundo as quais Eliza fora convencida a viajar para Minas Gerais, onde o goleiro tinha um sítio, sob o pretexto de acertar com ele a pensão alimentícia e a doação de um apartamento onde poderia morar com a criança. No trajeto entre Rio de Janeiro e Contagem, Eliza, que levava o filho consigo, percebeu que havia sido ludibriada. Foi violentamente espancada e os vestígios de seu sangue acabaram encontrados pela Polícia Técnica no carro de Bruno. Ainda segundo o relato da testemunha, Eliza foi mantida em cárcere privado no mencionado sítio e torturada durante alguns dias. Finalmente, mataram-na por asfixia. Seu corpo foi esquartejado e jogado aos cachorros. Os ossos restantes teriam sido “concretados”(sic). O filho de Eliza foi encontrado alguns dias depois da data provável da morte da mãe, em 26 de outubro de 2010, na região metropolitana de Belo Horizonte, em poder de uma ex-namorada de Bruno.

De fato, a Polícia procurou mas não localizou nem vestígios do corpo da moça. Se o relato testemunhal estiver correto, não será mais possível identificar seus restos mortais – os cães foram examinados 21 dias após a provável data da morte e, diante do transcurso de todo esse tempo, já não mais existiam os vestígios procurados. Por sua vez,  os ossos, supostamente moídos e misturados a concreto, estão definitivamente ocultados.  A defesa do goleiro apegou-se à ausência do corpo e alega que Eliza está viva. Cumprindo seu papel, os advogados tentam convencer a Justiça e a opinião pública de que Eliza viajou para a Bolívia, depois para a Europa.  Um dos defensores chegou a dizer ao juiz do caso, durante uma audiência, que Eliza “a qualquer momento, poderá entrar por aquela porta”…

Ora, Eliza está morta. Foi assassinada cruelmente e o Brasil inteiro sabe disso. Quem é vivo sempre aparece, diz o ditado, e Eliza nunca mais surgirá por alguma porta. Se Leopoldo Heitor, na década de 1960, depois de julgado quatro vezes acabou absolvido da morte de Dana de Teffé porque a polícia não foi capaz de encontrar o corpo da vítima, é certo que nossa Justiça não cometeria outro erro semelhante. O Código de Processo Penal em vigor, ao regulamentar a colheita de provas, admite que não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167 do CPP). Desta forma, há poucos dias, a Justiça do Estado de Minas Gerais expediu a certidão de óbito de Eliza Samudio, reconhecendo, para todos os fins, que a moça está morta.

*Artigo publicado na Folha de São Paulo em 07 de janeiro de 2013, página A3. Revisado em 29 de janeiro do mesmo ano, para constar a expedição da certidão de óbito que somente foi determinada após a publicação do artigo.