Há poucos dias, recebi mensagem via internet contendo comentário assinado por pessoa que desconheço criticando as feministas e o governo em geral porque Dilma Roussef prefere ser chama de presidenta. Dizia o e-mail que presidenta não existe, assim como não existem estudanta, adolescenta, pacienta, sorridenta. Por essa razão, Dilma não teria o direito de “violentar nosso pobre português apenas para ficar contenta” (sic). Esse comentário infeliz vem sendo secundado por alguns incautos, que não conhecem o vernáculo ou acham engraçado o texto e o repassam aos amigos(as), mas é bom deixar claro que nada há de errado no termo presidenta, assim como são corretas as palavras governanta e parenta, dentre outras que fazem o feminino de substantivos com o sufixo “ente”ou “ante” usando “a”. O dicionário Aurélio define presidenta como “a mulher que preside”. Além desse, outros dicionários da língua portuguesa consignam o verbete, acrescentando que também pode significar “a mulher do presidente”.

Dicionários à parte, é preciso lembrar que os postos de poder sempre primaram pela nomenclatura no masculino. É claro, se mulheres não podiam assumir cargos de comando por imposição patriarcal, a linguagem secundava essa exclusão, eliminando as designações desses postos no feminino. Não faz muito tempo, as magistradas pioneiras em suas carreiras assinavam seus nomes e acrescentavam embaixo “juiz de direito”. Da mesma forma, algumas pioneiras do Ministério Público também registravam seus cargos apenas no masculino. Embora o nome fosse de mulher, abaixo dele constava “promotor de justiça”. A justificativa, que não mais se sustenta, era a de que esses cargos haviam sido criados por lei apenas no masculino.

Incrível a dificuldade que certas pessoas têm de perceber o sistema de dominação embutido na linguagem. As regras gramaticais não brotaram do nada, elas têm um histórico secular que pretendeu tornar a mulher irrelevante , a ponto de deixá-la invisível. Assim, em português como em outras línguas européias, o masculino é sempre dominante, como por exemplo: “o leitor”, representando todos os(as) leitores (as); “o homem”, representando toda a humanidade. Mas o mundo mudou e a linguagem precisa acompanhar essa mudança. É nesse particular que Dilma incomoda os conservadores: ela torna evidente que seu cargo é ocupado por uma mulher. O linguajar se presta a definir quem é superior e quem é subalterno., quem é importante e quem é irrelevante, quem deve ser ouvido e quem merece ser ignorado, quem tem autonomia e quem precisa obedecer; desta forma, molda nossa maneira de ser e de pensar.

É intrigante a resistência em atender à vontade de Dilma de ser chamada de presidenta, sabendo-se que o termo no feminino já se encontra reconhecido nos dicionários da língua portuguesa há longos anos, portanto muito antes de termos a primeira mulher a comandar o Brasil. Para nós, é da maior importância termos a presidenta que temos. Ela não é apenas mulher, ela valoriza a condição feminina.
Luiza Nagib Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de SPaulo. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania e Subprefeita da Lapa. Tem vários livros publicados, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha.