É mais que notório o inquestionável talento para o fracasso cultivado por nossos governantes. E um de seus palcos preferidos é o da prevenção, quer da Aids, quer da dengue, quer das drogas. A combinação da insensibilidade com a incapacidade é devastadora, e vexame é a palavra mais exata para sintetizar isso. Nesse sentido, é oportuno o lançamento, pela editora Conex, do romance de Luiza Nagib Eluf, que põe as drogas no centro da discussão. Na trama, uma diretora do departamento jurídico de uma empresa paulista tem um ex-marido que não cumpre com suas obrigações, um namorado que a abandona e um filho que é viciado em drogas. Para completar o quadro, encontra o grande amor de sua vida, um brasileiro casado que reside em Milão. Ela sabe onde pisa, ao afirmar que ”o amor não se sustenta sem perspectiva de vida em comum…” Alguém falou calvário? Ana, a advogada, possui o dom da premonição e isso vai ajudá-la bastante. Pois é com essa arma que ela descobre o vício de Julio, o filho, encontra uma psicóloga e outras ”cositas mas”. O protagonista é o sintoma social que mostra sua face mais assustadora no que se refere ao drogado e seus desdobramentos – repressão, punição e tratamento. A autora sugere uma discussão em torno da descriminalização das drogas, usando o caso de Júlio como emblema de uma luta onde os preconceitos por pouco não alcançam status de personagem principal nessa triste história. Nada que faça desbotar este Retrato pintado com cores realistas e bastante verossímeis. Luiza escolheu a galeria nada charmosa da realidade para expor os retratos de uma sociedade preconceituosa, hipócrita, pouco afeita aos ditames da ética e com preguiça para a reflexão. Retrato é um romance do grito, não de medo, mas de alerta. O grito de Ana é comum a tantas mães às quais só cabe a alternativa das orações, diante do desamparo social. E nesse terreno fértil, proliferam outras drogas: as religiões e as seitas. Não resta a menor dúvida, ao enganoso sucede a passividade. Com o exagerado didatismo que conduz a autora a um quase comprometedor diálogo com a pieguice, Retrato expõe, com sua narrativa na primeira pessoa, toda a sorte de adversidades que Ana pode suportar. Sua via-crúcis vai dos dilemas profissionais às opressões resultantes das nem sempre agradáveis premonições, passando pelas zonas de sombra, geralmente subestimadas, do amor. Podemos dizer que Ana é um personagem na gangorra, na maior parte do tempo na parte de baixo. As soluções encontradas pela autora para tantos problemas por vezes remetem o leitor a um deus ex-machina com tudo que isso possa trazer de negativo no entender de um crítico ranheta (cujos olhos invejosos têm sempre que encontrar algum defeito, e este é o caso deste aprendiz) e com tudo que isso possa trazer de positivo no entender de um grande número de leitores. E assim caminha a humanidade, com as coisas aparentemente se resolvendo de modo favorável. Pacientes leitores, não subestimem Retrato. Luiza Nagib Eluf fez a sua parte, reavivou o sintoma. E agora quem vai tirar o véu que encobre o tumor? (Luíz Horácio).