O Brasil mal se recupera do trauma do afastamento de sua primeira presidente mulher e já mergulha em nova perplexidade: o governo federal interino decidiu excluir as mulheres da chefia dos ministérios.

Por um momento, pareceu que estávamos retrocedendo ao começo do século passado, quando a população feminina do país não tinha qualquer autonomia, não podia votar, não era ouvida nem considerada.

Tirar as mulheres de cena foi um choque, pois ficou claro que não houve reconhecimento do importante e fundamental papel feminino nas ruas, nos protestos, nas marchas, nas reivindicações, na formação de quadros e na condução do movimento político que culminou na admissibilidade do processo de impeachment.

Se Michel Temer hoje é presidente interino da República, deve isso à população organizada que clamou por uma reforma governamental direcionada a dar maior segurança e lisura administrativa ao país. E mais da metade dessa mesma população é de mulheres, ou seja, é composta da atuante parcela de cidadãs que seu governo, agora, parece ignorar.

Não cabe alegar que os partidos não indicam mulheres. As siglas fazem sugestões, mas quem aprova ou não os nomes é o presidente. De toda forma, há algo de muito errado com os partidos que não conseguem indicar uma única mulher para ser ministra. Precisam enxergar o mundo como ele é hoje. Não estamos mais no século 19. As mulheres não são subalternas e nem todas querem ser do lar.

A era do preconceito no Brasil acabou em 1988, com a Constituição cidadã de Ulysses Guimarães. Nossos políticos, muitos deles advogados constitucionalistas, não podem ter se esquecido, repentinamente, do mandamento fundamental constante da Carta Magna que estabelece plena igualdade entre homens e mulheres em nosso país.

Um governo, qualquer que seja ele, não deve mais se arriscar a provocar insatisfação cidadã. O desprezo pelas mulheres não se justifica nem se sustenta. É claro que a situação melhorou com a indicação de Maria Silvia Bastos Marques para a presidência do BNDES, a primeira mulher a chefiar a instituição, mas ainda é pouco.

Enganam-se os que acham que os políticos derrubaram o governo petista. A mudança foi exigida nas ruas pelo povo, em busca de mais justiça, mais honestidade e competência e menos corrupção.

Em pleno regime militar, na década de 1980, a professora Esther de Figueiredo Ferraz foi nomeada ministra da Educação (1982-1985), uma excelente profissional que muito nos orgulhou.

Desde então, nunca mais uma administração federal prescindiu das mulheres. O que ocorre agora é um retrocesso imenso.

O Brasil é campeão mundial de violência contra a mulher. Ninguém pode ignorar que essa é uma das grandes chagas do país, uma vergonha nacional.

A violência de gênero não surge do nada, ela decorre do preconceito, da exclusão, do confinamento e do desrespeito à mulher. Nenhuma administração pública deveria agir de forma a reforçar esse padrão patriarcal.

Torcemos para que o atual governo tenha um bom desempenho, pelo bem do Brasil. Sabemos que Michel Temer é inteligente, preparado, experiente, culto e ponderado, mas afastar as
mulheres do poder não foi uma boa ideia.