Luiza Nagib Eluf, O Estado de S.Paulo

16 de Junho de 2021

Todo ser humano, quase sem exceção, em a gum momento da vida precisará curar-se de alguma doença ou de algum mal-estar. A regra geral é que as pessoas procurem assistência à saúde mental e fisica, para si ou para outrem, com muita frequência, tendo em vista o aumento da longevidade e os problemas físicos e mentais dela decorrentes – além dos desmatamentos, do desequilibrio ecológico, das epidemias, da poluição ambiental, da falta de saneamento básico, da alimentação muito processada e da superpopulação. Alguns médicos são considerados “deuses”, amados por pacientes que lhes devem a vida. No entanto, como o ser humano não é perfeito, aliás, muito pelo contrário, a busca pela cura em certas ocasiões desemboca em armadilhas. E o Brasil, por alguma razão ainda não plenamente elucidada, vem mostrando seu lado obscuro e cruel da busca pela saúde. Foi assim que nos confrontamos com médicos que abusavam e até estupravam mulheres no próprio consultório – vários casos ficaram muito corhecidos depois da revelação da conduta desses profissionais. Algo estarrecedor, inadmissível e até inimaginavel em razão do grau de crueldade que foi relatado pelas vítimas. O Código Penal brasileiro prevê várias modalidades de crimes sexuais, dentre as quais podemos citar o estupro, a violação sexual mediante fraude, o assédio sexual, a importunação sexual e a corrupção de menores, além de outras formas de agressão. Nunca esperávamos, porém, que tais condutas escabrosas pudessem ocorrer dentro de consultórios médicos, hospitais, templos religiosos e outros locais de “salvação”, com tamanha frequência.

Além dos médicos propria mente ditos, o Brasil é pródigo em curandeiros. Podemos considerar que João de Deus tenha sido o mais emblemático dessa categoria, sendo sua conduta suficientemente grave para passar à nossa história, por ter praticado estupros e outros abusos sexuais contra meninas, adolescentes e moças em situação de vulnerabilidade. Da mesma forma que alguns médicos adotaram conduta antiética ao tratar de suas pacientes, aqueles que se apresentavam como tendo o poder de cura espiritual também se achavam no “direito” de se aproveitar da fragilidade alheia. São pessoas sem escrúpulos, que criaram as condições propícias para atacar pacientes fragilizadas por causa de enfermida des próprias ou de familiares. Além das ocorrências envolvendo mulheres que buscavam ajuda médica, psicológica ou espiritual para si mesmas ou para terceiros, ainda se verifica no Brasil o desrespeito do paciente homem com relação à mulher médica ou enfermeira. A internet vem se mostrando palco de numerosas reclamações trazidas por mulheres da área da saúde que sofrem abordagens inadequadas ou mesmo agressivas no atendimento a pacientes homens. Uma das envolvidas nesse tipo de situação publicou recentemente no UOL que um paciente de ortopedia, após fazer-lhe insistentes elogios, pediu-lhe que abaixasse a máscara para ele “ver esse sorriso lindo”. Embora a médica tenha sido dura contra esse tipo de desrespeito, ela afirma que as brincadeiras de mau gosto continuam acontecendo, da mesma forma que um tratamento intimo descabido, como ser chamada de “meu anjo” ou “mocinha”.

Por sua vez, a farmacêutica de um hospital em Brasilia postou na internet que um senhor se dirigiu a ela dizendo: “Embrulhada assim já é linda, imagine descascada”. Tendo sido essa a gota d’água para seus nervos, a moça informou que, a partir daí, desenvolveu transtorno de ansiedade e ficou anos sem emprego. Não há dúvida de que esse tipo de tratamento desrespeitoso, dirigido às mulheres, mesmo que em geral não constitua crime, pode provocar prejuízos psicológicos. O Brasil é pródigo em ocorrências envolvendo mulheres de todas as classes sociais que já sofreram ataques fisicos, sexuais, morais, psicoló gicos, patrimoniais, etc., por terem procurado profissionais desrespeitosos, sem saber, em momentos de dor e fragilidade. A falta de educação e de decoro é a regra que nos vem de um passado colonial truculento, espoliador, estuprador e assassino. Está claro que, em nosso país, ninguém defenderá verdadeiramente as mulheres, a não ser que elas mesmas o façam. Temos leis suficientes para a proteção da vida e da integridade da população feminina e muitos agressores vêm sendo punidos nos últimos anos, mas ainda é pouco. Buscamos, agora, que fatos desabonadores da nossa cultura patriarcal parem de acontecer por uma tomada de consciência da população e pela união das mulheres em torno de seus direitos. Pessoas que sofreram abusos praticados por parentes, amigos, profissionais da saúde, curandeiros, colegas de trabalho, superiores hierárquicos, treinadores esportivos, professores, chefes ou subordinados não mais devem ficar caladas. Denunciar é necessário, acima de tudo para valorizar as vítimas, punir agressores e colaborar para que outras pessoas venham a ser poupadas.

 

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