Não sei nada sobre Bernardo de Mello Paz. Nem me recordava do nome dele, quando vi notícias sobre sua condenação na imprensa. Não conheço as acusações no processo, já sentenciado em primeiro grau, impondo a Bernardo nove anos de reclusão. Sua fotografia mostra um homem de aparência excêntrica, um pouco amargurada, mas original e inovadora. Um homem muito diferente dos outros.
De fato, nada conheço sobre Bernardo, mas conheço Inhotim. Nunca vi nada mais lindo na minha vida. Ainda quero voltar lá muitas vezes, apreciar as obras de arte e escutar os sons do centro da Terra. Passear pelos jardins inspirados nos projetos de Burle Marx. Ouvir orquestras de sons perfeitos. Admirar gigantescas obras de arte contemporânea e respirar o ar das novas dimensões.
Inhotim é inacreditável. A cada passo, vem a pergunta: quem conseguiu criar isso? O investimento, cujas somas desconheço, parece extremamente alto. Enterrado em Brumadinho, rodeado das densas brumas mineiras, logo pela manhã do primeiro dia, da janela da pousada, achei que não conseguiria enxergar nada daquele museu inovador. Densas nuvens brancas pairavam sobre a cidade e seus arredores, como chumaços de algodão de grandes proporções. Depois, percebi que as brumas são parte do espetáculo. Elas se abrem , devagar, para o inimaginável… O lugar foi uma boa escolha, o mistério das brumas torna tudo mais interessante.
Sobre o processo contra Bernardo, diz a imprensa que ele não conseguiu responder nada ao Delegado, quando por ele interrogado. Perante a Juíza, tentou se explicar, mas parece que não obteve sucesso em suas declarações e acabou condenado.
Não posso defender Bernardo aqui porque nunca vi o processo, não conheço as acusações nem as provas produzidas. Não sei se ele cometeu algum crime, mas tenho certeza de que ele praticou atos de inigualável inteligência e arte. Inhotim não é pouca coisa! É um deleite e um orgulho para os brasileiros e para o Brasil. Projetos significativos, como a Galeria Adriana Varejão, desenhada por Rodrigo Cerviño Lopes, é um ícone do cenário arquitetônico mundial; Cildo Meirelles, Chris Burden, Lucas Sigefredo e Matthew Barney são também artistas de renome mundial que lá exibem suas obras; crianças da rede pública estudam arte em Inhotim. As paisagens são lindas, com espelhos d´água, rios, jardins e muita sensação de paz. Em qualquer país desenvolvido do mundo, Bernardo seria considerado um herói da cultura.
O idealizador de Inhotim, considerada a obra em seu conjunto, não poderia ser julgado como uma pessoa qualquer. Se for, afinal, culpado de algo, merecerá que seja avaliada a hipótese de perdão judicial, hipótese expressamente prevista no artigo 107, inciso IX, do Código Penal, levado-se em conta, além dos requisitos legais, o relevante valor social e artístico da obra de Bernardo e o bem que trouxe a todos nós, seres humanos.
Luiza Nagib Eluf é advogada criminalista, autora de sete livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus”, editora Saraiva, sobre crimes passionais.