Luiza Nagib Eluf, O Estado de S.Paulo
21 de julho de 2020 | 03h00
Começamos como colônia de Portugal. Antes disso, nosso território era ocupado por tribos indígenas, que viviam bem, dentro de seus padrões étnicos. Depois da chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, instalou-se o caos que perdura até os tempos de hoje. O Brasil tem problemas de governabilidade desde a sua descoberta. De lá para cá, 520 anos se passaram na mais pura confusão de ideias.
É bom lembrar que, de início, os colonizadores entraram dizimando índios e estuprando índias, numa guerra de séculos, até hoje disputada. A independência do País veio em 1822, mas após a morte de José Bonifácio de Andrada e Silva e de nossa sempre amada e respeitada imperatriz Maria Leopoldina, dois cérebros imprescindíveis, o gigante sul-americano perdeu as mentes mais lúcidas que lhe firmavam o prumo. Dom Pedro I voltou para Portugal e dom Pedro II, ainda criança, tornou-se imperador, sob regência de seus tutores. Foi um gestor inteligente, de quem nos podemos orgulhar, mas acabou deposto por um golpe militar e exilado, em 1889.
A República iniciou-se com o marechal Deodoro da Fonseca, que logo deixou o cargo presidencial para Floriano Peixoto, outro marechal. As forças internas, sempre em conflitos provocados por interesses pessoais e de classe, impediram que a Nação se desenvolvesse de forma harmônica, justa e segura. De lá para cá, nossa política alternou períodos de ditadura e de democracia até os tempos atuais.
Chegamos a pensar que poderíamos superar nosso atraso moral, intelectual e político quando findou a última etapa da ditadura militar iniciada em 1964 e Tancredo Neves foi eleito presidente do País. Um momento de esperança que durou pouco. Tancredo, um ex-promotor de Justiça de Minas Gerais, habilidoso político, sufragado pelo voto indireto, respeitado e amado pelo povo, faleceu antes de assumir o cargo, causando grande comoção nacional. José Sarney, o vice-presidente eleito, assumiu o mandato desde o primeiro dia até o fim, nos termos da lei e de um acordo político que ele costurou com sabedoria.
Naquela época, o otimismo trouxe-nos a esperança de uma vida melhor, sem a repressão imposta pelo regime militar, que havia destruído grande parte da nossa cultura, das nossas escolas públicas (com o desastroso acordo MEC-Usaid), arrasando também a produção literária, musical, teatral e cinematográfica. Sob os destroços de 30 anos de obscurantismo, a reconstrução democrática foi sofrida e precária.
Atualmente, colhemos os frutos da ignorância, do atraso cultural e político e do gangsterismo, que pareciam ter sido superados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O excelente Plano Real, iniciado sob a regência do presidente Itamar Franco, um bom governo, aliás, acabou com a inflação galopante e deu rumo à economia, valorizou nossa moeda e resgatou a confiança do povo em seus governantes, dando dignidade à Nação. Naquela época, já haviam despontado grandes políticos, respeitáveis, cultos e bem preparados, como Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Severo Gomes, entre outros. As mulheres, embora poucas, brilharam no Congresso Nacional, trazendo grandes avanços na igualdade de gênero. Temos saudades das décadas de 1980, 1990 e 2000.
Até 2010 ainda foi possível manter a esperança de consolidação do Estado Democrático de Direito, mas não foi assim. Acabamos caindo novamente em práticas inconfessáveis, decorrentes da imoral política do “toma lá dá cá”.
Adotamos um presidencialismo inconsistente, sem coalizão e dependente de medidas provisórias. Desde Fernando Collor e dos numerosos erros que ele cometeu, somos assombrados pelas ameaças de impeachment, que vitimou também nossa primeira presidenta, Dilma Rousseff, pois parece haver sempre uma ânsia incontida de derrubar governantes. Sofremos de instabilidade política crônica e, pior de tudo, não conseguimos obter resultados positivos duradouros. Somos uma sociedade que trabalha para atender a interesses pessoais, na base da barganha e da corrupção.
O Brasil é ingovernável por falta de moral, de responsabilidade e de inteligência. Fatos absurdos e por vezes caricatos se sucedem nas altas esferas administrativas sem que se possa chegar a uma solução que favoreça a coletividade. Os contemplados são sempre os mesmos, já desde sempre beneficiados.
Atualmente, retrocedemos a ponto de discutir se a Terra é plana, se as mulheres têm os mesmos direitos que os homens, se meninos vestem azul e meninas vestem rosa, se devemos preservar o meio ambiente ou tocar fogo em tudo, se a expressão “povos indígenas” merece ser execrada, se vamos passar a boiada e destruir a floresta enquanto todos se distraem com as notícias da pandemia devastadora do coronavírus… O obscurantismo medieval está de volta, ideias desumanas renascem das cinzas, a repressão à sexualidade torna a vigorar e as religiões assumem papéis reservados, por lei, ao Estado. Cultua-se a ignorância, louvando-se o preconceito, a discriminação, as armas de fogo, o desrespeito, a prepotência e a injustiça.
ADVOGADA. E-MAIL: LUIZAELUF@TERRA.COM.BR