Pouco depois que Pedro Álvares Cabral aportou em terras brasileiras – que ele, à época, denominou de Ilha de Vera Cruz –, instalou-se a polêmica sobre os direitos dos povos originários. A catequese, a submissão forçada, a usurpação de terras e os ataques dos invasores dizimaram milhares de nativos. Porém, com o passar do tempo (e já se foram 522 anos), consolidou-se o entendimento de que os povos originários merecem respeito e plena cidadania.
Na época em que os portugueses aportaram aqui, havia no País 3,5 milhões de índios, divididos em grupos linguísticos e culturais Tupi, Jê, Aruaque e Caraíba. No início da colonização, a mão de obra indígena era utilizada na extração de pau-brasil, pela qual os povos originários recebiam o escambo. Durante todo o período do Brasil Colônia, o trabalho executado pelos indígenas foi uma alternativa à mão de obra escrava. No entanto, as guerras, os maus-tratos e as doenças contraídas dos brancos dizimaram populações ameríndias na costa do País. Em 1755, a escravidão indígena foi proibida, embora ainda permanecesse praticada ilegalmente.
Os povos que habitavam o Brasil na época do descobrimento viviam da caça, da pesca e da agricultura. Eles utilizavam a técnica de derrubada da mata e posterior queimada para limpar o solo e executar o plantio. Já no primeiro século em que os estrangeiros fizeram contato com as populações nativas do País, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores. No século seguinte, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios.
Até os dias de hoje, os nativos são constantemente ameaçados de morte, as terras em que habitam sofrem interferências ilegais e as comunidades estão sempre em risco. Muitos indígenas enfrentam a morte por decorrência de doenças trazidas pelos invasores de suas áreas, pela falta de demarcação de terras e pelas proibições e cerceamentos que são impostos sobre seus territórios. Não se pode negar que a construção de estradas como a Transamazônica e de hidrelétricas e o desmatamento para a pecuária resultaram na expulsão de comunidades indígenas de suas terras. O governo do Brasil falhou e é devedor dos povos da floresta.
Em termos de legislação em vigor sobre os direitos dos indígenas, temos a Constituição federal de 1988 (Capítulo VIII, artigos 231 e 232) e o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001 de 1973). E, em tramitação no Congresso Nacional, temos:
– o Projeto de Lei n.º 490/2007, que prevê a impossibilidade de povos indígenas obterem o reconhecimento legal de suas terras tradicionais, se lá não estavam fisicamente em 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição federal) ou se não tinham nessa data uma controvérsia possessória de fato ou judicializada. Essa tese é conhecida como “marco temporal”;
– o Projeto de Lei n.º 191/2020, regulamentando o § 1.º do artigo 176 e o § 3.º do artigo 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas, e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas;
– e o Projeto de Lei n.º 571/2022, que acrescenta o artigo 82-A ao Decreto-lei n.º 227, de 28 de fevereiro 1967 (Código de Minas), para criar condições especiais ao exercício de atividades minerárias em caso de interesse da soberania nacional, assim declarado pelo presidente da República, inclusive em locais habitados por indígenas;
– a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que inclui entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
Outro aspecto que é de ser enfrentado é a pluralidade de culturas indígenas espalhadas pelo País e suas peculiaridades. Existem, hoje, comunidades inteiras que frequentam escolas, falam português (algumas falam inglês) e devem ser respeitadas em seus direitos à educação, à saúde, à habitação, à propriedade de bens e a comandar sua vida. Os indígenas americanos podem ser donos de cassino. Já os nativos brasileiros vivem cerceados em seus direitos e impossibilitados de gerir sua vida e seu patrimônio com autonomia. Dessa forma, em lugar de impedir que os povos originários possam usufruir livremente das riquezas que os cercam, o Brasil deveria incentivá-los e orientá-los a gerir seus negócios e preservar o meio ambiente.
No sul da Bahia, por exemplo, existem comunidades encravadas em praias paradisíacas que não podem exercer livremente seu comércio por causa de proibições impostas pela legislação.
Devemos trazer as comunidades indígenas para a convivência harmônica em nossa terra Brasilis e tratá-las com respeito, para que possamos todos(as) progredir em harmonia.
LUIZA NAGIB ELUF é advogada.
Site: www.luizaeluf.com.br