Em 19 de maio de 2012, pouco depois das 20 horas, no interior de um apartamento localizado no bairro de Vila Leopoldina, São Paulo/SP, Elize Araújo Kitano Matsunaga matou seu marido Marcos Kitano Matsunaga mediante um único disparo de arma de fogo na cabeça. A tragédia comoveu todo o Brasil e a descrição mais pormenorizada desses fatos consta de meu livro “A paixão no banco dos réus”, décima edição, editora Saraiva.

Marcos conheceu Elize no final de 2004, quando ele a encontrou em um site de relacionamento que oferecia programas sexuais mediante pagamento. Na época, Marcos era casado com outra moça e tinha uma filha, mas acabou estabelecendo um relacionamento com Elize, que durou, aproximadamente, 3 anos, até que se divorciou para se casar com ela. Elize engravidou e deu à luz uma menina.

Alguns meses depois do nascimento da filha, o relacionamento do casal se deteriorou, com a ocorrência de brigas constantes e a suspeita da esposa de que Marcos tivesse um caso extraconjugal. Elize contratou uma agência de detetives e comprovou suas suspeitas por fotos e vídeos.

Além disso, Elize estava deprimida devido aos maus-tratos do marido, que a agredira fisicamente, em várias oportunidades. No dia dos fatos, Elize voltava de viagem ao Paraná, onde mora sua família, e Marcos havia ido apanhá-la no aeroporto. Ao chegarem em casa, a esposa contou ao marido sobre as investigações que fizera, o que gerou uma séria discussão. Foi então que Marcos decidiu sair para comprar uma pizza, a fim de espairecer, mas os ânimos da esposa não estavam aplacados. Ela se havia armado de uma pistola calibre 380, que tinha ganho do marido.

Assim que Marcos entrou em casa, houve nova discussão durante a qual o marido disse que “iria mandá-la de volta para o lixo de onde ela veio”. Foi nesse momento que Elize tirou a pistola de uma gaveta. Mesmo vendo que a mulher estava armada, Marcos a provocou dizendo que “nenhum juiz iria dar a guarda de filha do casal para uma prostituta”. Nesse momento, Elize disparou a arma e, em seguida, iniciou o esquartejamento do corpo.

Primeiramente, seccionou o pescoço de Matsunaga com uma faca, decapitando-o. Prosseguiu cortando-lhe as pernas, os braços, antebraços e mãos; depois a barriga, separou as genitálias, as coxas e o tronco. Por ter sido auxiliar em um centro cirúrgico, ela sabia como realizar os cortes. Elize trabalhou a noite toda, pois após o esquartejamento, ela colocou as partes do corpo em sacos plásticos e guardou os restos mortais em malas de viagem, facilitando o transporte. Limpou o local e, na manhã seguinte, desceu com os despojos pelo elevador de serviço, momento em que foi filmada pelas câmeras do edifício. Colocou as bagagens em seu veículo Pajero e rumou para o Paraná, seu Estado de origem. No trajeto, foi multada e desistiu de empreender uma viagem longa, descartando as partes do corpo na Estrada dos Pires, em Caucaia do Alto, Cotia/SP, onde as malas foram encontradas posteriormente.

A denúncia, oferecida pelo Promotor de Justiça José Carlos Cosenzo, atribuiu à acusada três qualificadoras do homicídio: motivo torpe (vingança), uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa) e meio cruel (esquartejamento). Além disso, Elize foi acusada e condenada por ocultação e destruição de cadáver, tendo também sido agravada sua pena por ser cônjuge da vítima. Após julgamento pelo Tribunal do Júri, a ré foi condenada a 19 anos e 11 meses de reclusão, porém, em março de 2019, o Superior Tribunal de Justiça baixou sua pena para 16 anos e 03 meses de reclusão tendo em vista que ela confessou espontaneamente o crime e informou onde ocultou o cadáver.

O julgamento de Elize durou 10 dias e foi “exaustivo e extenuante”, nos termos da avaliação do advogado assistente de acusação Luiz Flávio Borges Durso.

Merece análise o fato de que a vítima, ao ser cobrada pela esposa por suas “traições”, utilizou-se de agressões verbais violentas, como o fato de a mãe de sua filha ter sido “prostituta”.

Tudo leva a crer que Matsunaga não era do tipo que se importava com o fato de namorar mulheres que faziam programas, muito ao contrário, parecia ser essa sua indiscutível preferência.

A grande contradição do patriarcado é justamente o fascínio dos homens pelas mulheres profissionais do sexo e, ao mesmo tempo, o repúdio grotesco pela atividade sexual da mulher. Outro aspecto a ser considerado é a violência gerada, no homem, pela necessidade de dominação física da mulher, que, mesmo diante de ameaças concretas, leva-o a subestimar o perigo e desafiar uma mulher armada até os dentes, levando-o à morte.

A sociedade patriarcal subestima horrivelmente as potencialidades femininas, subjuga namoradas e esposas, aproveitando-se da alardeada suposta docilidade do sexo que eles insistem em chamar de “frágil”.

Evidentemente, ninguém há de matar alguém e se vangloriar disso (embora existam casos), mas o morticínio de mulheres (feminicídios) no Brasil ainda é muito maior do que os homicídios praticados por mulheres. Ainda bem que a legislação pátria enveredou pelo caminho da paz, criando o feminicídio e procurando punir severamente os assassinatos.

 

LUIZA NAGIB ELUF é advogada.
Site: www.luizaeluf.com.br